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Até que ponto a fertilidade feminina pode ser estendida?

Por Redação 31/01/2022

A medicina moderna já permite que as mulheres tenham filhos muito mais tarde na vida do que era possível há algumas décadas, mas até que ponto a fertilidade feminina pode realmente ser estendida?

Muitas pessoas consideram essa uma das grandes injustiças da natureza, mas o fato é que há um declínio progressivo, amplamente angustiante e irreversível da fertilidade feminina a partir dos 35 anos de idade. “Os homens também experimentam um declínio em sua capacidade de fazer bebês à medida que envelhecem, mas essa queda na fertilidade tende a começar mais tarde e ocorrer muito mais lentamente do que nas mulheres. A taxa de fertilidade dos homens tende a começar a cair por volta dos 40 ou 45 anos de idade, mas de maneira muito menos ‘agressiva’”, explica o Dr. Rodrigo Rosa, especialista em reprodução humana e diretor clínico da Clínica Mater Prime, em São Paulo. Hoje, no entanto, há mais recursos para preservar a fertilidade, como congelamento dos óvulos preferencialmente até os 35 anos, e depois o uso de técnicas de reprodução assistida.

      Por milênios, as mulheres têm engravidado e dado à luz na adolescência e no início dos 20 anos – somente para ilustrar, antes da década de 1960, as mulheres nos Estados Unidos tinham, em média, o primeiro filho por volta dos 21 anos. O motivo é justamente a queda progressiva da fertilidade feminina. “Ao contrário dos homens, cujos órgãos reprodutivos produzem milhões de espermatozoides frescos diariamente, as mulheres nascem com todos os óvulos que possuirão. Além disso, esse número diminui continuamente à medida que a mulher envelhece: de um milhão de óvulos no nascimento para 300.000 na puberdade, 25.000 na idade de 37 e 1.000 na idade de 51. De todos estes, no entanto, apenas 300 a 400 óvulos tem potencial de produção; normalmente apenas um por mês amadurece e, eventualmente, é liberado dos ovários da mulher durante a ovulação durante toda a sua vida reprodutiva. Por razões ainda não totalmente compreendidas, o resto passa por um processo natural de degeneração e nunca será ovulado”, explica o especialista em Reprodução Humana.

Entendendo os prazos

A maioria das meninas começa a menstruar entre nove e 13 anos de idade, mas seus ovários só começam a liberar óvulos um ou dois anos depois. Uma matemática simples indica que o suprimento de óvulos de uma mulher normalmente se esgota cerca de 33 anos depois. Na maioria das mulheres, a fertilidade de fato tende a cessar até oito anos antes do início da menopausa. “Esses cálculos são puramente matemáticos e não levam em consideração uma infinidade de variabilidades naturais que podem existir entre as mulheres, como as janelas de tempo durante as quais os ovários podem liberar mais de um óvulo em um mês, ou meses em que nenhum óvulo é liberado, ou problemas hormonais. Apesar disso, eles podem dar uma estimativa aproximada de quanto tempo pode ser o cronograma de fertilidade feminina. De forma mais precisa, a estimativa da contagem de óvulos pode ser feita por meio de exames que medem o nível do hormônio antimulleriano (AMH) no sangue da mulher”, explica o Dr. Rodrigo. “Essa é a reserva ovariana. Agora sabemos que o AMH, produzido pelos ovários de mulheres adultas férteis, desempenha um papel vital na metamorfose de um óvulo imaturo em um óvulo maduro e promissor, completo com todos os pré-requisitos biológicos para criar um bebê saudável. Ovários com melhor funcionamento, com maiores estoques de óvulos, produzem mais AMH. Os níveis do hormônio diminuem à medida que a linha do tempo de fertilidade feminina progride; os níveis médios em pessoas de 30 a 35 anos são cerca de dois terços dos das mulheres mais jovens, enquanto os níveis em mulheres com mais de 45 anos são um quarto dos observados em mulheres na faixa dos 20 anos”, destaca o especialista. Pesquisas indicam que a reserva ovariana é regulada geneticamente, mas que as experiências de vida de uma mulher – como estresse, exposição à radiação ou produtos químicos tóxicos e até mesmo aqueles de quando ela estava no útero – interferem no funcionamento desse hormônio e podem determinar o número de óvulos mais tarde na vida.

Foco na qualidade

O tempo é implacável não só na quantidade de óvulos, mas também na qualidade deles. “A quantidade de óvulos diminui à medida que as mulheres envelhecem e essa queda também é vista na qualidade dos cromossomos e do DNA contido em cada óvulo. Portanto, mais anormalidades cromossômicas em óvulos humanos são extremamente comuns”, explica o Dr. Rodrigo Rosa. “Não é algo que deva ser considerado uma situação particularmente anormal e, na maioria dos casos, é algo que todas as mulheres, mesmo as mulheres jovens, terão em seus óvulos em um nível baixo, mas esse nível aumenta com o avançar da idade”. Na casa dos 20 anos, até 1/4 de óvulos podem ter anormalidades cromossômicas, mas isso aumenta para quase a metade (até 40%) para uma mulher entre 30 e 35 anos – e há uma progressão exponencial para o risco a partir daí. “Depois dos 35 anos, a frequência desses óvulos cromossômicos anormais aumenta em 0,5% ao mês, de modo que, para uma mulher com cerca de 40 anos, até três quartos de seus óvulos terão anormalidades cromossômicas”, explica o médico. “Mas ter anormalidades cromossômicas em seus óvulos não significa necessariamente que a mulher seja infértil, mas significa que mais de seus ciclos menstruais produzirão óvulos com menor probabilidade de gerar um bebê viável”, completa.

Nossas células contam com minúsculas estações de energia chamadas mitocôndrias, e os óvulos de mulheres maduras podem sofrer com mitocôndrias defeituosas, devido a mutações, o que prejudica o fornecimento de energia para esses óvulos, de forma a impossibilitar todas as etapas do processo de fecundação, desde o amadurecimento do óvulo até o desenvolvimento do feto.

Os riscos continuam

A fertilidade não é um risco por si só para as tentantes com mais idade. Mesmo as que conseguem engravidar, precisam seguir bons hábitos de vida a fim de evitar riscos na gravidez (que são maiores em gestantes mais velhas), no trabalho de parto e no parto. “Mães com mais de 40 anos podem ter duas a três vezes mais probabilidade de ter problemas de saúde durante a gravidez, incluindo diabetes e pressão alta. Elas tinham o dobro de probabilidade de sangrar de suas placentas, ter um parto cesáreo e perder o bebê mais tarde na gravidez. Esses riscos diminuem consideravelmente com bons hábitos de vida, principalmente com alimentação orientada”, explica o Dr. Rodrigo Rosa.

Mas, enfim, é possível estender a fertilidade feminina?

Costuma ser padrão da ciência tentar nivelar um campo, após a natureza “criar desigualdade”. “Tivemos grandes e significativos avanços na medicina reprodutiva nas últimas décadas, o que aumentou muito a segurança, o sucesso, a acessibilidade e o preço das técnicas reprodutivas artificiais”, comemora o especialista, que atende pacientes e casais no Brasil que lutam contra infertilidade. Aproximadamente 230 bebês nascem no Reino Unido a cada ano de mulheres com 50 anos ou mais, enquanto 9% de todas as mães pela primeira vez nos EUA tinham mais de 35 anos em 2014. Para preservação dos óvulos, uma das melhores técnicas é a criopreservação ou congelamento. “Quanto mais jovem a mulher realizar o congelamento, maior será a chance de o óvulo gerar um bebê. Então, não existe uma idade que contraindique o congelamento, mas o ideal é que seja realizado até os 35 anos, pois assim as taxas de sucesso são maiores. Mas é possível congelar os óvulos até 41 e 42 anos. Após os 43 anos, a probabilidade de o óvulo gerar um bebê é muito reduzida. Não é impossível, mas talvez o custo-benefício já não valha tanto a pena. Mas vale o ditado “antes tarde do que mais tarde”. Por exemplo, para mulheres que já possuem 39 anos e não têm previsão de gravidez a curto prazo, o melhor é congelar os óvulos o quanto antes. É melhor ter 15-20% de chance de ter um bebê do que passar o tempo e, quando houver possibilidade de gestação aos 42, 43 ou 45 anos, não ter feito nada e acabar com chance de gravidez de 1%”, explica o Dr. Rodrigo Rosa. A partir dos 44 anos já não é mais recomendado.

Quase todas as clínicas de fertilidade em todo o mundo agora também oferecem às mulheres a opção de armazenar seus óvulos, congelados a tempo, até que ela esteja pronta para serem descongelados, fertilizados e transplantados em seu útero. Mas esses óvulos podem ser congelados por quanto tempo? “Com base em evidências científicas em engravidar com embriões congelados – em um caso o embrião foi congelado por 27anos – estamos confiantes de que o armazenamento de longo prazo de óvulos congelados não resulta em nenhuma diminuição da qualidade”, explica o médico.

Outra técnica muito utilizada é a de Fertilização in Vitro (FIV), que é dividida em quatro partes: estimulação ovariana; captação dos óvulos e espermatozoides; fecundação assistida; e transferência dos embriões. “A taxa de sucesso da Fertilização in Vitro irá depender em grande parte do fator de infertilidade apresentado pelo casal e da idade da mulher. Quanto mais nova, mais chances de obter sucesso no procedimento, sendo que mulheres até 30 anos têm até 70% de chances de engravidar em uma única tentativa de FIV”, diz o médico. Acredita-se, pelos novos estudos que estão surgindo, que a inteligência artificial possa entrar na jogada, melhorando os resultados da FIV, para ajudar a selecionar os embriões com maior probabilidade de um nascimento saudável.

Apesar de todos os avanços científicos, o Dr. Rodrigo Rosa sempre enfatiza que os hábitos saudáveis de vida podem elevar as estatísticas de sucesso, mesmo que de maneira tímida – em uma fase em que qualquer avanço pode ser determinante. “Boa dieta, modulação do estresse, prática de exercícios físicos, controle do peso, dormir bem, cessar o tabagismo e a ingestão das bebidas alcóolicas, tudo isso pode melhorar a qualidade do óvulo e do espermatozoide e são fatores modificáveis para melhorar as chances de ter um bebê saudável”, finaliza o médico.

FONTE:

*DR. RODRIGO ROSA: Ginecologista obstetra especialista em Reprodução Humana e sócio-fundador e diretor clínico da clínica Mater Prime, em São Paulo. Membro da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA) e da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana (SBRH), o médico é graduado pela Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP/EPM). Especialista em reprodução humana, o médico é colaborador do livro “Atlas de Reprodução Humana” da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana.

 

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