Beauty

< Voltar

Estudo de Harvard mostra que bactérias comuns causam coceira ao ativar células nervosas da pele

Por Redação 20/02/2024

Novas pistas sobre o mistério da coceira: pesquisadores identificam uma bactéria comum presente na pele como culpada, até então desconhecida, da coceira.

 

Descobertas podem ajudar na criação de novas terapias para tratar a coceira que ocorre em doenças inflamatórias da pele, como eczema e dermatite. O que está por trás da coceira? Essa é uma pergunta que durante anos os cientistas tentaram responder, principalmente para oferecer soluções a pacientes que sofrem com o prurido (nome técnico da coceira) em casos de condições de pele como dermatite, urticária e eczema. Agora, cientistas de Harvard mostram pela primeira vez que uma bactéria comum encontrada na pele, Staphylococcus aureus, pode ser a causa. “A pesquisa acrescenta uma peça importante ao antigo quebra-cabeça da coceira e ajuda a explicar por que doenças comuns da pele, como eczema e dermatite atópica, são frequentemente acompanhadas de coceira persistente, além de ajudar na criação de novas terapias para tratar a coceira. Essa bactéria causa coceira ao ativar células nervosas da pele, segundo demonstrou o estudo”, explica a dermatologista Dra. Paola Pomerantzeff, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia. As descobertas, baseadas em pesquisas em ratos e células humanas, foram publicadas na revista Cell.

Pacientes que enfrentam coceira persistente lidam, na pele, com o desequilíbrio de microrganismos que mantêm a nossa pele saudável. “Isso permite o florescimento do S. aureus. Até agora, acreditava-se que a coceira que ocorre no eczema e na dermatite atópica surgia da inflamação concomitante da pele. Mas as novas descobertas mostram que o S. aureus, por si só, causa coceira ao instigar uma reação molecular em cadeia que culmina na vontade de coçar”, explica a dermatologista.

Os experimentos do estudo mostraram que o S. aureus libera uma substância química que ativa uma proteína nas fibras nervosas que transmitem sinais da pele para o cérebro. O tratamento de animais com um medicamento anticoagulante aprovado pela FDA (Food and Drug Administration) bloqueou com sucesso a ativação da proteína para interromper esta etapa fundamental no ciclo da coceira. “O tratamento aliviou os sintomas e minimizou os danos à pele. Essas descobertas podem informar o desenvolvimento de medicamentos orais e cremes tópicos para tratar a coceira persistente que ocorre com várias condições ligadas a um desequilíbrio no microbioma da pele, como dermatite atópica, prurido nodular e psoríase”, explica a médica. Identificar esse mecanismo é extremamente importante, já que os arranhões repetidos, que são uma marca registrada dessas condições, podem causar danos à pele e amplificar a inflamação. “A coceira pode ser bastante debilitante em pacientes que sofrem de doenças crônicas da pele. Muitos desses pacientes carregam na pele o mesmo micróbio que pode induzir coceira”, diz a Dra. Paola.

Identificando a vela de ignição molecular que provoca coceira

Os pesquisadores expuseram a pele de ratos ao S. aureus. Os animais desenvolveram coceira intensa ao longo de vários dias, e os arranhões repetidos causaram agravamento dos danos à pele que se espalharam além do local original da exposição. “Além disso, os ratos expostos ao S. aureus tornaram-se hipersensíveis a estímulos inócuos que normalmente não causariam coceira. Os ratos expostos eram mais propensos do que os ratos não expostos a desenvolver coceira anormal em resposta a um leve toque”, diz a médica. Essa resposta hiperativa, uma condição chamada alocinese, é comum em pacientes com doenças crônicas da pele caracterizadas por coceira persistente.

Para determinar como a bactéria desencadeou a coceira, os pesquisadores testaram várias versões modificadas do micróbio S. aureus que foram projetadas para não possuírem peças específicas da composição molecular do inseto. A equipe se concentrou em 10 enzimas conhecidas por serem liberadas por esse micróbio em contato com a pele. Um após o outro, os pesquisadores eliminaram nove suspeitos – mostrando que uma enzima bacteriana chamada protease V8 era a única responsável por iniciar a coceira em camundongos. Amostras de pele humana de pacientes com dermatite atópica também apresentaram mais S. aureus e níveis mais elevados de V8 do que amostras de pele saudável.

As análises mostraram que o V8 provoca coceira ao ativar uma proteína (PAR1) encontrada nos neurônios da pele que se originam na medula espinhal e transportam vários sinais – toque, calor, dor, coceira – da pele para o cérebro. “Normalmente, essa proteína permanece inativa, mas ao entrar em contato com certas enzimas, incluindo a V8, ela é ativada. A pesquisa mostrou que o V8 corta uma extremidade dessa proteína e a desperta”, explica a Dra. Paola. Experimentos em ratos mostraram que, uma vez ativado, o PAR1 inicia um sinal que o cérebro eventualmente percebe como coceira. Quando os investigadores repetiram as experiências em placas de laboratório contendo neurônios humanos, eles também responderam ao V8.

Curiosamente, várias células imunitárias implicadas em alergias cutâneas e classicamente conhecidas por causarem comichão – mastócitos e basófilos – não provocaram comichão após a exposição bacteriana, mostraram as experiências. “Com isso, os cientistas mostraram que a coceira e a inflamação podem ser dissociadas, que não é necessário ter inflamação para que o micróbio cause coceira, mas que a coceira agrava a inflamação na pele”, diz a médica.

Interrompendo o ciclo da coceira

Como a PAR1 – a proteína activada pelo S. aureus – está envolvida na coagulação do sangue, os investigadores queriam ver se um medicamento anticoagulante já aprovado que bloqueia a PAR1 iria parar a coceira. Isso aconteceu. “Os camundongos com coceira cuja pele foi exposta ao S. aureus apresentaram melhora rápida quando tratados com o medicamento. O desejo de coçar diminuiu drasticamente, assim como os danos à pele causados pelo ato de coçar”, diz a médica. Além disso, uma vez tratados com bloqueadores de PAR1, os ratos não apresentaram mais coceira anormal em resposta a estímulos inócuos. “O bloqueador PAR1 já é usado em humanos para prevenir coágulos sanguíneos e pode ser reaproveitado como medicamento anticoceira. O ingrediente ativo do medicamento pode até se tornar a base para cremes tópicos anticoceira. Isso traria alívio e minimizaria os danos de pele de pacientes que sofrem com condições que provocam o prurido”, finaliza a médica.

FONTE: *DRA. PAOLA POMERANTZEFF: Dermatologista, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) e da Sociedade Brasileira de Cirurgia Dermatológica (SBCD), tem mais de 10 anos de atuação em Dermatologia Clínica. Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina Santo Amaro, a médica é especialista em Dermatologia pela Associação Médica Brasileira e pela Sociedade Brasileira de Dermatologia, e participa periodicamente de Congressos, Jornadas e Simpósios nacionais e internacionais. Instagram: @drapaoladermatologista

Compartilhe:

Entre na lista V.I.P.

Conta para a gente seu e-mail e fique por dentro das novidades. Achados exclusivos, notícias antenadas, conteúdos exclusivos...