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Inspirado por mestres impecáveis e inspirando seus pupilos, assim é a vida do chef Laurent Suaudeau

Por Valéria Guazzaloca 14/05/2018

public life 26

Um chef nato, Laurent Suaudeau, é dos mais renomados chefs do país e um dos pupilos de um dos maiores chefs do planeta, Paul Bocuse. Contudo, sua disciplina e simplicidade fizeram toda a diferença em sua carreira. Com criatividade ele soube transformar cada oportunidade em êxito.

Com apenas seis anos de idade ele já sabia que queria ser cozinheiro de navio. Com 13 anos, nas férias, ajudava sua tia em seu bar e só na parte da manhã descascava e cortava cerca de 60 quilos de batata, fritava servia e ainda cuidava da grelha de frangos… aos 17 estava inserido como ajudante em um restaurante com o chef Michel Guerard e logo após o serviço militar passou a fazer parte da brigada de Paul Bocuse.

 


Falando assim pode parecer simples e descomplicado, mas acredite: não foi. Conversando com ele, é fácil perceber que as dificuldades acabaram sendo a mola propulsora para seu sucesso. Ele não esmoreceu em nenhum momento e acredite, Laurent Suaudeau é realmente um artista no que faz, fala com paixão e seriedade sobre seu ofício, e nunca deixa o bom humor de lado. Desde sua origem simples, quando vendia batatas e frango, e andava pelas ruas da sua cidade natal, na praia, de bicicleta, enquanto os outros jovens de sua idade velejavam, ele adquiriu um grande aprendizado que nesta época, segundo o chef: “quanto mais cedo a gente aprender a lidar com a ingratidão das pessoas, melhor. Eu não podia errar na hora de devolver a moeda, porque o cara xingava mesmo, não via que na frente dele tinha um menino de 13 anos”.E não foram apenas esses os enfrentamentos. Ele relembra que os filhos dos bacanas o incomodavam, mas ele estava feliz. Curiosamente, um dos jovens velejadores que compravam batatas e frango com Laurent, anos depois também se tornou chef e amigo dele.
Mas quando ele completou 16 anos, seu pai lhe disse que sentia que sua obrigação com ele já havia se completado e falou que se ele gostava mesmo de cozinhar deveria trabalhar com isso, e o encaminhou para trabalhar na cozinha. O chef conta que seu pai o levou lá, e disse “meu filho quer ser cozinheiro”, daí ele entrou na cozinha pra nunca mais sair.
Seu primeiro trabalho foi lavar alfaces e uma semana depois já fazia o vinagrete, e quando perguntado a ele como foi fazer um trabalho tão simples em um ambiente cheio de chefs, ele demonstra total simplicidade, garantindo que nenhum diploma substitui a experiência. E foi no restaurante administrado pelo chef Yvon Garnier que deu seus primeiros passos. Garnier estimulou o Chef Laurent a continuar os estudos no Lycée Technique, em Guérande, e lá ele teve a oportunidade de conhecer o professor e Chef Jean Guérin, que lhe ofereceu um emprego durante as férias. Ali as portas do mundo da alta gastronomia se abriram. Depois disso Guerin, o indicou para trabalhar com o consagrado chef Michel Guerard, proprietário do Les Pres et lês Sources (atual Les Prés d’Eugénie) e do L’Oustau de Beaumanière, na Provence. Assim, aos 17 anos Laurent era o mais jovem integrante da brigada de Guerad, que naquele ano conquistou a terceira estrela no Guide Michelin.

O primeiro contato de Laurent com Paul Bocuse foi na época em que trabalhava na cozinha do chef Garnier. Quando Bocuse chegou, o cumprimentou com um tapão nas costas e a primeira impressão de Laurent não foi das melhores, e ele conta que chegou a pensar que jamais iria trabalhar com aquele cara. Bocuse era conhecido por ser muito rígido e exigente, e o ambiente na cozinha Garnier era mais leve, não havia grandes exigências em relação a cabelos compridos e calçados engraxados “eram os anos 70, tudo peace and love” diz Laurent. Anos mais tarde, logo após sair do serviço militar, Laurent foi justamente trabalhar com Bocuse, usando os sapatos engraxados que usava no serviço militar. Laurent conta que mais tarde compreendeu a exigência de Paul Bocuse “um cara que viveu a guerra, que viu a morte de perto, só pode se contentar com o melhor que pode fazer” ele lembra.


Ainda sobre Bocuse, o chef Laurent Suaudeau diz que se sente honrado em ter trabalhado com ele e por tê-lo conhecido mais a fundo. O chef conta que quando ele vinha pro Brasil, ele fazia questão de conhecer onde os funcionários dele moravam, e sempre levava alguma coisa pra eles. “Mas ele não ia lá pra tirar foto, ele ia porque realmente queria conhecer melhor aquelas pessoas” enfatiza o chef Laurent.

Foi justamente por intermédio de Bocuse que Laurent veio ao Brasil. “Ele me disse vai lá, você vai ver como as paisagens são bonitas e as mulheres mais lindas, aqueles clichês” conta Laurent, que não teve uma boa primeira impressão do país. E completa: “E eu fiquei triste quando vi os produtos que tinham na cozinha. Então eu não gostei, tanto é que eu mandei um telex pra ele, na época, dizendo “aqui eu não fico”. Eu tive uma certa, não vou dizer dificuldade, mas eu demorei um pouco pra me acostumar. Mas certamente o que mais me ajudou a gostar foi a recepção dos caras que tinham na cozinha. Eram todas pessoas de origem muito simples e que logo perceberam, certamente, que nesse jovem havia uma competência do qual eles tinham que, não digo tirar proveito, mas que seria muito interessante pra eles. Primeiro porque eu trabalhava junto, ficava o dia inteiro na cozinha, e eu acho que isso eles admiravam. Então eu acho que isso me ajudou bastante a aprender a gostar do país, sem dúvida.”
O plano inicial era que Laurent viesse ao Brasil para passar alguns meses no Rio de Janeiro, no restaurante Le Saint-Honoré, no Hotel Méridien. Mas logo o chef respensável foi mandado embora, e Bocuse pediu para que Laurent, com 24 anos na época, assumisse o restaurante. Inicialmente ele disse não, mas Paul Bocuse insistiu para que ele ficasse pelo menos mais um ano e meio, que ele o defenderia. E desde então Laurent não saiu mais do Brasil.

O chef continuou por aqui. Ele conta que recebeu várias propostas, mas por conta da idade não recebe mais. O chef conta que nessa carreira pode-se fazer um paralelo com um jogador de futebol, ou com atletas de alto nível, e que depois dos 45 acaba sendo considerado velho para o mercado, e nas palavras do chef: “E de fato você já não é mais um garoto, e tem outra geração chegando, com uma visão mais acirrada, mais agressiva, e acaba sendo mais convidativa para o mercado” ele afirma.
O chef Garnier, certa vez disse que Laurent tinha mãos boas para patisserie, mas ele não escolheu esse ramo da gastronomia, pois a patisserie é muito matemática, e nos conta o chef que “3 graus de diferença na temperatura do forno pode mudar uma receita”. Ainda nas palavras do chef: “Aqui o que eu faço é onde consigo expressar minha visão. Às vezes eu mudo algumas coisas, e acaba que nem eu me lembro, são eles (os alunos) que me lembram como eu fiz”.

Em relação ao futuro, o chef Laurent pensa que talvez consiga ajudar a melhorar ainda mais as relações entre Brasil e França na área da gastronomia. Ele esta se dividindo cada vez entre os dois países, com o objetivo de incentivar de uma maneira mais profunda essa relação entre os dois países.
Aqui no Brasil, o chef tem desenvolvido um programa de responsabilidade social, com jovens aprendizes. Ele conta que essa idéia já existia há muito tempo, mas foi através da proposta da Nestlé, que tinha iniciado um programa chamado young talent, que conseguiu desenvolver o programa.

Apesar do programa da Nestlé não ter agradado o chef, em termos de conteúdo, ele propôs que faria se fosse nos termos dele, e a partir daí nasceu o programa. E ensinar é algo que traz grande satisfação ao chef. Durante toda à tarde que passamos na sede da sua escola, fomos acompanhados por seus alunos, que estavam sempre muito atentos às palavras do chef. E Laurent nos contou que que mais traz gratificação para ele, ao ensinar é ver que o aluno realmente assimilou o que lhe foi ensinado, e de preferência que faça melhor, que supere o mestre.
Atento aos novos rumos que o mundo como um todo esta tomando, o chef também criou um curso de culinária vegana, para, não apenas acompanhar a guinada do mercado, mas também como forma de questionar o mundo como um todo. Ele se preocupa com a questão da sustentabilidade, sobre a relação do homem com a natureza, sobre saúde. E esse curso veio também de uma questão pessoal. O chef conta que esta se disciplinando a comer cada vez menos proteína animal, mas que não pretende parar de comer, ele diz que em lugar de comer uma vez por semana, vai comer uma vez por mês.

Sobre essa relação com a natureza e com o meio ambiente, o chef conta que o que mais gosta de cozinhar é peixe, justamente por essa conexão forte que tem o com o mar. Na visão dele: “O mar é algo sensacional que nos oferece produtos de uma forma tão forte, tem uma relação tão profunda com o que nós somos… Eu acredito profundamente que o ser humano veio do mar. E a gente despreza muito o mar, as águas como um todo. São 70% do planeta, né? Então ta na hora de se tocar. E obviamente trabalhar em cima de produtos vindos de uma pesca responsável” alerta o chef.

 

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